Minha vida é movimento.



Dança. Compasso.



Canto.




Minha vida é passo.



Caminho, escuto, recordo.



Encontro e decanto.



Conflito, reflito e traço.



Minha vida é campo



onde lanço, arado.



Onde laço, espanto!



Onde tanto, escasso.



Onde espaço, encanto.



Onde espanto, abraço.







quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Deixando o Barco

“ Andando Jesus junto ao mar da Galiléia, viu dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, os quais lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes Jesus: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens.Imediatamente eles deixaram as redes, e o seguiram.Indo um pouco mais longe, viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão. Estavam num barco em companhia de seu pai Zebedeu, consertando as redes. Jesus os chamou, e eles, deixando o barco e seu pai, imediatamente o seguiram.” (Mt: 4:18-22)

DEIXANDO O BARCO
O que é o barco na vida de um pescador? Quase tudo. Numa comunidade fundada sobre o ofício da pesca, o barco significa a única chance de subsistência. Companheiro de noites e dias no mar, veículo para se obter o alimento, sobre o qual muitas horas são gastas, navegando e fazendo manutenção, construindo, melhorando. O amigo que aguarda, solitário, atracado, até o momento de partir novamente com seus pares, de ser conduzido ao trabalho.
A narrativa de Mateus nos conta que Jesus andava junto ao mar, quando viu dois irmãos trabalhando. Bastou um chamado do Mestre e eles imediatamente deixaram as redes, e O seguiram. Mais a frente, a cena se repete, agora com os filhos de Zebedeu, que consertavam as redes para a pesca. Ao chamado de Jesus, eles deixam imediatamente o barco e seu pai, e O seguem.
Posso imaginar Zebedeu. Um homem de meia idade, que contava com a força e juventude dos filhos para ajudá-lo no ofício. Filhos que desde bem pequenos deviam ter sido ensinados por ele a saírem com o barco, manejá-lo, a lançar redes, consertá-las, a amarem o barco e seu ofício. Imagino um Zebedeu atônito, sentindo-se abandonado, traído, preterido por alguém que eles nem sequer conheciam. Imagino Zebedeu com as redes nas mãos, chorando e lamentando a partida dos filhos queridos. “Como puderam abandonar-me?” “Logo agora, que estou velho e preciso deles?” “O que farei?” . Imagino o barco, agora vazio, atracado junto as margens do mar da Galiléia. O barco vazio, símbolo de uma vida deixada para trás. Com ele ficaram as estórias, os anseios da velha vida, o que restou dos pescadores de peixes.
Os pescadores, agora de homens, seguiam não mais os sinais das ondas, mas os passos do Mestre. Quando navegavam, emprestavam seus saberes ao capitão do barco, o Senhor Jesus. Não mais estavam ao sabor das águas, mas fluíam na direção das águas do Pai.
A cada homem ou mulher chamado por Jesus pertence um barco. Um universo tão conhecido, amado, construído de memórias e desejos, suor, risos e lágrimas. Amigos, familiares, carreiras, estudos, sonhos. O mesmo Jesus, andando pelo mundo através do Seu Espírito, nos viu junto ao mar e nos chamou: “Venham, venham após mim... venham ser engenheiros do reino, arquitetos de vidas, psicólogos, artesãos, pastores, lavradores, ceifeiros, ouvintes, médicos, professores, dentistas, artistas, cantores, ...,trabalhem, trabalhem para mim. Deixem os “barcos” que vocês conhecem tão bem, e sigam-me.
Ah! Que doce voz nos chama! E quão duro pode ser para nós esse chamado. Não, não fomos chamados para permanecermos no barco, fomos chamados para deixá-lo. No caminho convertido, pisando em terra firme, seguindo as pegadas de Jesus, choramos. Choramos a saudade daqueles que ficaram. Choramos a rejeição daqueles que nos amavam, mas agora, porque não podemos mais estar no barco, nos lançam pedras. Choramos quando vemos ao longe as velas dos barquinhos que se enfileiram no horizonte, alheios à nossa saudade. Choramos quando cheios de alegria queremos voltar contando que belas coisas temos aprendido, mas as portas que antes se abriam agora estão fechadas para nós.
Choramos, porque perdemos prestígio, posição. Choramos porque perdemos amigos. Choramos porque perdemos o aconchego daqueles que mais amamos. Choramos porque podemos ser destituídos de muitas coisas que cultivamos durante uma vida.
No caminho convertido, o “si mesmo” perde espaço para ganhar em pertencimento do Corpo. Enterramos lugares, músicas, pessoas, lembranças. Quando Jesus chama, não é possível trazer conosco toda a parafernalha do velho homem. Até porque, a passagem é estreita, e se trouxermos coisas desnecessárias não poderemos passar.
“ Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração” diz o texto de Hebreus (Hb 4:7b). É possível ouvirmos a doce voz que nos chama, e não atendermos ao chamado. O jovem rico, diante do chamado de Jesus, entristeceu-se, e voltou para o seu mundo de coisas materiais. Seu velho e conhecido `barco`. Mas, para nós, que ouvimos e aceitamos segui-lo, é mister deixamos muito para trás.
Entendamos, no entanto, que ao deixar o barco, é preciso viver o luto. Pode ser que os apóstolos de Jesus, chamados à beira do mar da Galiléia, tenham chorado em algum momento. Isso não fez deles menos capacitados a se tornarem os homens em quem foram tornados. Chorar o que morreu, chorar o que enterramos, faz parte do processo de recomeçar. Chorar para então, ao haver rasgado nossas vestes e, derramado muitas lágrimas, levantarmo-nos, de vestes novas e ungidos com o Espírito, e caminharmos pelo mundo convidando outros como nós a deixarem os seus barcos pelo cais.

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