Minha vida é movimento.



Dança. Compasso.



Canto.




Minha vida é passo.



Caminho, escuto, recordo.



Encontro e decanto.



Conflito, reflito e traço.



Minha vida é campo



onde lanço, arado.



Onde laço, espanto!



Onde tanto, escasso.



Onde espaço, encanto.



Onde espanto, abraço.







quarta-feira, 28 de março de 2012

Sobre a negação da castração e a disposição perversa da teologia da prosperidade




Sobre a Negação da Castração e a Disposição Perversa da Teologia da Prosperidade

Maria Beatriz Versiani



Psicanálise e teologia não se misturam! A frase é dita com convicção tanto por psicanalistas como por teólogos. Tenho, contudo, abertas as possibilidades de escuta para um diálogo que, há alguns anos, vem teimando em se fazer no espaço entre estes dois saberes. O primeiro, do homem e sua singular subjetividade, e, o segundo, do homem e sua singular e subjetiva condição de ser espiritual, transcendente.

A partir da brecha que se abre entre estes dois campos, proponho pensar sobre o contemporâneo desmentido que a teologia da prosperidade opera para negar a castração.

Somos seres insaciáveis. À falta-a-ser, estruturante do sujeito do desejo, respondemos de maneiras diversas e particulares. Mas trata-se aqui mais de analisar-se um discurso, que, pretendendo fazer-se cristão, sai como mentiroso na medida em que desmente a falta.

Somos faltosos. Desde o Éden. Lá, no jardim-útero, éramos completos. Não experimentávamos a falta, visto que não havia separação. O que instaura a falta é justamente aquilo que separa, que se interpõe numa relação simbiótica, o que se opõe ao emaranhado que não permite saber até onde sou eu, e até onde o outro.

No Éden, literalmente, caímos. A expulsão do jardim é chamada Queda de Adão. Queda do primeiro homem. Experiência que inaugura a angústia da falta a ser. Após a queda, a maldição da incompletude: “E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua concepção; com dor terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei dizendo: não comerás dela: maldita é a terra por causa de ti, com dor comerás dela por toda a tua vida.” (Gn 3:16-17)

“O Senhor Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra de que fora tomado. E havendo lançado fora o homem, pôs querubins ao oriente do jardim do Éden, e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da árvore da vida.” (Gn 3:23-24)

A condição de completude foi interditada. Não, ao primeiro homem não seria concedido tudo. Era preciso, mesmo ali no jardim, lidar com a falta. De uma árvore ele não poderia comer. Se o fizesse, morreria. Morreu para a ilusão de ser completo.

Pois bem. O que dizer então, de um “evangelho” que prega a completude, a totalidade neste mundo? O que dizer de um “evangelho” que alardeia sobre não sermos frustrados? Ah, sim, somos não somente vencedores, mas mais que vencedores. O versículo existe, no contexto. O texto leva-me a crer que somos sim, mais que vencedores, sobre a nossa própria natureza, exageradamente humana. Que em Cristo, importa que meu ego diminua para que Ele cresça. E o poder Dele, que se aperfeiçoa na minha fraqueza, me fará capaz de suportar toda a castração que me estiver imposta, porque humana. Importa que cada dia seja menos a minha vontade, e mais a vontade de Deus, a governar minha vida.

Porque a minha vontade é da ordem da demanda, e seu destino é deslizar por uma longa cadeia de substituições. Se eu queria um marido, agora já não me serve mais! Se eu queria uma casa, agora está muito pequena, ou demasiado grande. Se eu queria um carro, está obsoleto, ou gasta muito. Quem sabe uma bicicleta?

Do púlpito ouço anunciarem: imagine o que você quer ser, fotografe-se vestido disso, e você o será. Alguma semelhança com alguém vestir-se de enfermeira para uma noite de sexo? O fetiche é um desmentido. Quer negar a castração.

Mas o evangelho de Cristo, esse não nega. Não dá margem para dúvidas. Estreito é o caminho que conduz à salvação... Entrai pela porta estreita... o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça...
Então [Jesus] chamou a multidão e os discípulos e disse: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa e pelo evangelho, a salvará. Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? (Mc 8:34-36)

O evangelho de Cristo, o Filho do Homem, o Verbo Encarnado, diz que é preciso perder, para então ganhar. Mas perder o que? O seu próprio ego. Negue-se a si mesmo. Negue-se às suas vontades, negue-se às suas demandas.Negue-se à sua mania de grandeza. Negue-se ao seu desejo de fazer crescer o seu nome mais do que o Nome Dele. Tome a sua cruz, tome a sua dor, tome a sua falta, tome as suas frustrações, tome a sua castração. E, então, siga-Me.

A esta altura,caro leitor, se você tiver chegado até aqui, convido-o a uma leitura complementar, a Carta de Judas, irmão de Tiago. Ele, servo de Jesus Cristo e seu irmão, adverte: “Pois alguns homens que não temem a Deus entraram no meio da nossa gente sem serem notados. Eles torcem a mensagem a respeito da graça do nosso Deus a fim de arranjar uma desculpa para sua vida imoral. E também rejeitam Jesus Cristo, o nosso único Mestre e Senhor. Há muito tempo que as Escrituras Sagradas anunciaram a condenação que eles já receberam.” (Jd 1:4)

E, ainda, João, em sua segunda carta: “Quem não fica com o ensinamento de Cristo, mas vai além dele, não tem Deus. Porém, quem fica com o ensinamento de Cristo, esse tem tanto o Pai como o Filho. Se alguém for até vocês e não levar o ensinamento de Cristo, não recebam essa pessoa na casa de vocês, nem lhe digam: “Que a paz esteja com você!” Pois quem deseja paz a esta pessoa é seu companheiro no mal que ela faz.” (2 Jo:9-10)

Sim, o Verbo se fez Carne. E Ele foi devastado, fez-se um nada, para que nEle fosse feita a vontade do Pai. Ele fez-se um nada, para que pudéssemos ser. Não ascendemos à condição de filhos pelo encontro do espermatozóide com o óvulo, como sugere o orador. Somente o alcançamos pelo encontro do Todo com o nada na cruz, onde, fazendo-se perdedor, venceu o mundo.

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